
José Morais, egresso do curso de musicoterapia, lança o livro "Depressão, que dor é essa?"
Durante a cerimônia de lançamento da obra, autor revelou que a EMAC foi um colete salva-vidas
Texto: Fabrícia Vilarinho
Imagens: Sandra Rocha
José Morais, autor da obra "Depressão, que dor é essa? Reflexões sobre saúde mental e espiritualidade", é egresso do curso de musicoterapia da EMAC, formado em 2016. José escolheu a EMAC para o lançamento de sua obra por considerar sua formação na universidade um dos três coletes salva-vidas de sua vida. No evento de lançamento do livro, ocorrido dia 1/6 no miniauditório da EMAC, o autor rememorou acontecimentos marcantes de sua trajetória: a realidade de crescer em uma região violenta da capital, local em que faltavam infraestruturas básicas em educação, segurança e saúde; sendo que a dificuldade para encontrar uma literatura mais acessível sobre o tema foi um fator motivador para a escrita do livro. A obra também foi apresentada aos alunos do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da UFG no dia 7/6.
Professora Sandra Rocha (EMAC) e professor Robervaldo Linhares (EMAC) apresentando a obra
A professora da EMAC, Sandra Rocha, iniciou o evento de lançamento do livro dizendo que a conquista do ex-aluno é também uma conquista do curso de musicoterapia. "Hoje celebramos uma conquista que não é só relativa ao autor da obra, mas também de todas nós professoras do curso de musicoterapia, porque sabemos que temos um pouquinho de nós nessa trajetória dele", considerou.
Para Sandra, o livro do egresso de musicoterapia inaugura algo novo, que é trazer os alunos para contribuir nos livros que o curso de musicoterapia está organizando após a sua comemoração de 20 anos de existência. "Nossos acadêmicos e egressos também podem ser produtores de conhecimento. O José é uma inspiração para os outros alunos que aí estão e que já estiveram por aqui. Agradeço ao José, ex-alunos e alunos dizendo: sejam esses grandes desbravadores de novos caminhos!", ressaltou a professora.
Em seguida, o professor Robervaldo Linhares reafirmou as palavras da professora Sandra Rocha e ressaltou a relevância do tema. "Endosso as palavras da Sandra quando disse que é um momento desbravador, poderia virar uma prática dos egressos lançarem seus livros aqui, na casa onde estudaram, onde tiveram a formação. E para nós é realmente uma alegria muito grande a UFG estar neste evento de lançamento do livro. A depressão assola qualquer classe social, religião ou profissão. Estamos todos potencialmente dentro desse problema: se você não tem depressão, alguém próximo a você tem, ou já teve. O livro dá ferramentas para lidar com a situação, é um guia para quem está sofrendo desse mal, para quem tem alguém que sofre, ou para quem deseja ajudar", considerou o professor.
Robervaldo destaca que a obra aponta para um problema que tem solução. "Outro aspecto importante do livro é que ele aponta uma jornada. É dividido em sete capítulos, sendo que o primeiro fala sobre prevenção. Este capítulo é muito importante porque ainda há um estigma com a doença mental. O livro inicia com a prevenção até chegar ao ponto de resolver o problema, ou seja, ele tem uma visão proativa no sentido de que é possível resolver. Isso é excelente porque há literaturas indicando que esse é um problema que não tem jeito. Mas para o autor, José Morais, é possível. E essa possibilidade ocorre à luz da espiritualidade. Ele parte da experiência dele, de sua experiência cristã, e deixa um caminho que os leitores podem seguir e testar seu funcionamento. O autor faz isso de forma muito responsável, já que a obra não propõe curas instantâneas, milagres instantâneos, tudo é um processo. Mas um processo que é possível ser vencido", expôs o professor.
Sobrevivendo a um ambiente hostil e violento
O autor, José Morais, iniciou sua fala agradecendo aos ex-professores a oportunidade de lançar o livro na EMAC. Em seguida explica que a obra relata parte de vida. "Neste lançamento decidi contar para vocês o porquê escrevi este livro. E para isso, preciso revisitar minha história. Eu sou filho de uma lavradora mineira e um ribeirinho. Eles se conheceram aqui na cidade de Goiânia e resolveram constituir uma nova família. Ambos já tinham tido outros relacionamentos e filhos, sou o único filho desse casal. Meus pais vieram de uma classe social muito desfavorecida e ao chegarem em Goiânia não tinham onde morar. Por isso, procuraram uma das invasões que existiam na cidade para poder constituir o seu lar. Na época, o governador acabara de criar um grande projeto de assentamento urbano, a Vila Mutirão. Na Vila Mutirão foram edificadas mil casas em um dia, e em uma dessas casas estava meu pai e a minha mãe", relata o autor.
José afirma que vivenciou de perto os efeitos da violência e segregação social. "A Vila Mutirão por muito tempo foi referência de criminalidade. A vila esteve nas manchetes dos jornais locais como um lugar extremamente hostil, violento. Nessa comunidade, tive a oportunidade de crescer e de ter a minha primeira experiência com a saúde mental. Vivenciei a violência escolar, mães que sofriam arduamente com seus filhos na dependência química, pessoas com baixa autoestima num nível tão grande que não conseguiam sequer olhar nos olhos de alguém que pertencesse a uma classe social mais favorecida. Eu tive a oportunidade de verificar e de conviver com inúmeras crianças com transtornos de aprendizagem que jamais foram a um médico ou a um especialista para qualquer tipo de cuidado. Também vi de perto os efeitos da segregação social e desdobramentos que isso tem na saúde mental. Ao caminhar nas ruas do setor percebia mulheres vítimas de violência doméstica e pessoas que estavam adoecidas sem nenhum tipo de cuidado porque não existia acesso", relembra José.
A motivação para escrever o livro
O autor explica que a motivação para escrever o livro ocorreu por se considerar um sobrevivente. "Sou um sobrevivente porque durante minha carreira escolar, não raras vezes, eu tive colegas de classe que perderam a vida para o tráfico de drogas. Colegas que brincavam comigo e saíam nas manchetes das páginas policiais, assassinados, vítimas de um sistema que os aliciou desde cedo e que, infelizmente, por não terem oportunidade ou por não aproveitarem as poucas oportunidades que tiveram, perderam suas vidas de maneira trágica. Escrevi esse livro porque me considero um sobrevivente do assédio do tráfico de drogas que repetidas vezes estava presente nas escolas em que estudei procurando de todas as formas ganhar adeptos com alguns benefícios. Eu me considero um sobrevivente da precariedade da educação pública porque nos anos de minha formação, a escola em que estudava passava por repetidas greves, permanecendo por um, dois ou três meses fechada, e neste ínterim eu ficava ocioso em casa. Eu me considero um sobrevivente da falta de assistência à saúde, porque na comunidade não existia, por exemplo, um profissional especializado em saúde mental. E para conseguir um clínico geral, às vezes era preciso ficar semanas na fila do posto de saúde. Mas, felizmente, durante essa jornada eu tive pessoas que me lançaram coletes salva-vidas", expôs José.
O primeiro colete salva-vidas
José Morais relembra o auxílio de sua professora do ensino fundamental em um momento difícil. "O primeiro colete salva-vidas que recebi foi ao final da minha primeira série. Eu era uma criança que tinha muita dificuldade na alfabetização, escrevia palavras faltando letras, não conseguia juntar as sílabas para ler. Ao final da primeira série fiquei de recuperação, mas pensei que conseguiria porque havia me esforçado muito. Mas, infelizmente, quando recebi a nota final da recuperação, o resultado era de reprovação porque estava terminando a primeira série sem saber ler e escrever. Então comecei a chorar copiosamente e a professora da classe na época, professora Leonita, me chamou à sua mesa, pegou nas minhas mãos, me acalmou e disse assim: '- José, eu vi o quanto você se esforçou. Eu sei que você ainda não sabe ler e escrever, porque ainda não chegou o seu tempo. Eu vou te dar hoje um voto de confiança e vou te passar para a série seguinte'. O ato dessa professora pode ter salvado minha existência, porque avaliando hoje a dimensão da frustração que eu estava, aquele poderia ter sido um momento de êxodo escolar. Mas porque um dia alguém me lançou esse colete, hoje eu estou aqui publicando um livro e sendo chamado de escritor para quem não dava conta de aprender a ler e escrever", rememora José.
O segundo colete salva-vidas
O autor relembra a atitude diferente de sua mãe diante de sua rebeldia juvenil. "O segundo colete salva-vidas que me foi lançado foi em outro momento muito difícil. Influenciado pela comunidade na qual vivia e pela hostilidade do ambiente em que estava, comecei a ser uma criança extremamente violenta. Violenta a ponto de não conseguir terminar um dia de aula sem arrumar uma confusão. E por conta dessa violência, minha mãe começou a ser chamada repetidas vezes na escola, para poder mediar esses conflitos e assinar advertências e suspensões que eu levava. Um dia, minha mãe depois de tentar de tudo que vocês podem imaginar, teve uma atitude diferente. Ela chegou em casa e disse: '- José, hoje você recebeu mais uma suspensão, não é? Então, hoje a mamãe não vai brigar com você. Hoje eu tenho uma nova tarefa para você. Você vai sentar ali e você vai ler a Bíblia'. Ela escolheu propositalmente alguns textos que falavam sobre pacificidade, generosidade, empatia e ela me colocou para ler esses textos repetidas vezes até eu decorar. Eu confesso para vocês que quando minha mãe fez isso, a minha primeira reação foi de ódio profundo, mas ao ler aqueles textos alguma coisa foi mudando dentro de mim porque eu fui começando a ampliar o meu olhar, a enxergar outras coisas. Então mudei totalmente minha forma de ser", relata José.
O terceiro colete salva-vidas
O terceiro colete salva-vidas do autor José Morais foi a descoberta da EMAC no Espaço das Profissões da UFG. "Por último, o terceiro colete que me garantiu a sobrevivência foi o dia em que, no primeiro ano do ensino médio, os professores resolveram fazer um passeio diferente. Dessa vez não foi um daqueles passeios que a gente ficava eufórico como um filme, cinema, teatro, coisas que nós não tínhamos acesso em nossa comunidade. Dessa vez eles nos trouxeram ao Espaço das Profissões da UFG. E por que digo que isso foi um colete salva-vidas? Porque até aquele momento eu era um adolescente sem perspectiva, sem sonhos, não tinha projeto para depois do ensino médio, não sabia o que eu ia fazer da minha vida. E quando eu pisei aqui dentro desse Câmpus para conhecer o Espaço das Profissões da UFG, escutei uma música tocando. E essa música me convidou. Eu vi a Banda Pequi tocando no gramado da EMAC. Um projeto lindíssimo coordenado por muito tempo pelo saudoso maestro Jarbas Cavendish. Eu vi aquele pessoal tocando e fiquei muito, mas muito empolgado com aquilo. Então quis conhecer que lugar era aquele, de onde vinha aquele som, que é o que estamos agora, a Escola de Música e Artes Cências, a EMAC. E em uma das salas da EMAC havia um grupo de professores, dentre eles a Dra. Sandra Rocha do Nascimento, apresentando uma área que eu nunca tinha ouvido falar, a Musicoterapia. E naquele dia decidi que eu me tornaria um musicoterapeuta. Três anos depois eu voltava a esta casa como acadêmico do curso de musicoterapia", relembra o autor.
Identificando o quadro depressivo
Continuando a cerimônia de lançamento da obra, o autor José Morais compartilha como perceber um quadro depressivo. "Depois de formado, atuei em consultório, no Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica, trabalhei em centros de atenção psicossocial de alguns municípios aqui da região metropolitana. Mas mesmo depois de ter experiência profissional em saúde mental, a depressão bateu na porta lá de casa. E embora eu tivesse conhecimento a respeito do tema e já tivesse cuidado de inúmeras pessoas com essa dor ajudando-as a encontrar novas possibilidades, eu fui confrontado. Nós fomos treinados desde a infância para reconhecer dores físicas. Mas as dores emocionais não são enxergadas com a seriedade que merecem, e muitas vezes se perpetuam por décadas porque são silenciadas. E tudo aquilo que a gente silencia não deixa de existir. Na verdade, quando se trata do nosso mundo intrapsíquico, o silenciar faz com que a dor se agrave", relata o autor.
Após cantar uma música que é tema do livro, o autor ensina os primeiros sinais para identificar a depressão. "Alguém tem dificuldade de saber se uma dor está se prolongando no tempo? Esse é o primeiro sinal de adoecimento mental. Todas as experiências emocionais, tristeza, alegria, enfim, angústia, elas fazem parte da nossa vida. Mas quando a gente precisa suspeitar que alguma coisa está desordenada? Quando a tristeza, por exemplo, não passa. Quando a euforia não passa. A prolongação do tempo é o primeiro sinal de alerta que a gente recebe do nosso psiquismo. Outra coisa, as complicações associadas. A pessoa que no início estava com um problema de tristeza, por exemplo, pode ser diagnosticado com diabetes, ou começa a ter problema nos relacionamentos familiares, deixar os autocuidados. Ou seja, é um sinal quando outras coisas são comprometidas, há um comprometimento funcional, você fica paralisado", esclarece o autor.
O autor reconhece que a dimensão espiritual deve ser considerada quando o assunto é saúde mental. "Em primeiro lugar, nós estamos num país onde mais de 95% das pessoas têm uma afiliação religiosa. Existem pesquisas que demonstram que as pessoas gostariam de ter sua experiência espiritual abordada nos tratamentos de saúde. No entanto, a maioria dos profissionais de saúde ignoram essa dimensão do ser. E essa dimensão mexe com o que nós temos de mais importante dentro de nós, que é a capacidade de acreditar, de ter esperança que aquele sofrimento vai passar. Muitos procuram um tratamento de saúde e ouvem uma oferta péssima: você vai ficar com assistência médica, com assistência terapêutica ou você vai acreditar na sua fé? Como se a gente precisasse fazer esse tipo de escolha, como se essas coisas não pudessem trabalhar juntas. Nesse livro eu trago essa junção", informa José.
Por fim, o autor encerra a apresentação do livro explicando a praticidade da obra. "É um livro pensado para ser prático, uma leitura que pode ser realizada em pouco tempo, que mostra quando indicar ajuda profissional, como as pessoas em situação de sofrimento psíquico podem procurar ajuda e que traz uma reflexão sobre como usar a espiritualidade aliada ao tratamento. E sabe por que eu falei de tudo isso aqui pra vocês? Porque quem cuida da mente, cuida da vida", o autor finalizou sua fala e iniciou uma música com o refrão "Quem cuida da mente, cuida da vida".
José Morais em palestra de lançamento do livro no dia 7 de junho no CEPAE/UFG
O autor José Morais, egresso do curso de musicoterapia da EMAC, com a professora Sandra Rocha
Fonte: Profa Sandra Rocha